terça-feira, 22 de abril de 2008

A DANÇA DO CRÉUZ


Início dos anos 1980, ouvi do professor Elsimar Coutinho, em defesa do controle da natalidade, uma reflexão. Um conflito urbano sem precedentes instalava-se no país em função da quantidade de crianças sem um mínimo de educação familiar ou escolar, sem perspectivas de emprego, desorientada e sob bombardeio do consumismo: compre, use grife, ande rápido, brilhe! Começo dos anos 1990, na entrada de um show musical no estacionamento do Centro de Convenções, presenciei o papo e a ação de um grupo de adolescentes acesos, ávidos e sem grana para o ingresso: "Um bocado de bundão que não tem nada a ver, e a gente de fora!", "Vamos entrar na tora, ganhar esse ingresso na marra, vamos agir, cara!". Rugiam ameaçadores, encarando e partindo pra cima dos mais indefesos. Juro que senti medo e, rápido, procurei o abrigo da entrada. Lembrei da ‘guerra suja' prevista por Elsimar. A horda cresce sem controle, sem amparo.
Some-se à falência familiar, a falta de habitação digna, de escola, de qualquer esperança de um amanhã decente, mais a exacerbação do possuir como único paradigma da felicidade e, sobretudo, a propagação da violência como um produto de consumo que rende ibope, poder, dinheiro rápido. Nos recreios e salas de aula, meninos e meninas, sem distinção, trocam porrada, ameaçam arrebentar caras, tirar o outro do caminho pra se dar bem a qualquer preço. Organizam-se em gangues para duelar com vizinhos ou torcida adversária. Garotos mostram armas na escola, ameaçam professores, fumam, cheiram e traficam pedras e papelotes, exibem-se, pois isso dá status. E aprontam de moto, roubam carros, assaltam os ‘otários' para ter a camiseta de grife, o celular da onda, o tênis de marca, a grana para entrar em shows, estádios, impressionar, ganhar namorada, mostrar que são retados como impõe a sociedade globalizante e internáutica ao jovem descolado.
Adolescente é isso, puro impulso. Adrenalina nos poros e cabeça a mil. Matar é uma conseqüência, vira rotina. Polícia, traficantes, justiceiros, usuários, inocentes, periferia, ricos, pobres e classe média, cores e sexos, todos à mercê, alvos, a qualquer momento, em qualquer lugar. Há uma matança juvenil. O discurso de uma sociedade injusta e desigual é óbvio, antigo e estéril. Aqui, de uma hora pra outra, os homicídios dobraram, o tráfego esmigalha, a meninada enche a cara sem pejo, se prostitui e se confronta nas ruas, encarna o ‘créu', e os pais se limitam a chorar pitanga nos enterros, diante da TV. Há algo de muito podre acontecendo. Muito mais importante e sério do que urnas, apoios, inaugurações, biocombustíveis, CPIs, PACs e blablabás. É uma questão de vida. Futuro. A real está aí, nas nossas fuças. Sociedade e governos: alguma proposta séria de mudança? Vamos cuidar, o amanhã é agora.
por édejesusBerrêto

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