Nervos à flor da pele. Por trás de uma expressão tão lembrada para definir explosões de ira há um tanto de verdade médica. Pele e sistema nervoso mantêm uma ligação ancestral, selada desde o ventre materno. No embrião humano as duas estruturas são formadas a partir do mesmo elemento: o folheto ectodérmico. "Cada milímetro de pele tem uma terminação sensitiva. Há diálogo direto entre mente e pele", diz o médico Artur Zular, diretor do Instituto Qualidade de Vida e presidente do Departamento de Medicina Psicossomática da Associação Paulista de Medicina.
Um estudo do Departamento de Psiquiatria da Universidade Western Ontario, no Canadá, aponta que mais de 40% das manifestações cutâneas estão associadas a transtornos psíquicos. São as chamadas psicodermatoses. Por aqui, uma pesquisa da Sociedade de Dermatologia do Rio de Janeiro chegou a resultados semelhantes: um terço dos 50 mil pacientes acometidos por doenças de pele estavam submetidos a pressões emocionais, como estresse e depressão.
Os números que pontuam a íntima relação entre pele e sentimentos não surpreendem Reinaldo Andreata, 39 anos. Ele descobriu há anos que o estresse poderia se manifestar de modo bem visível. "Como diretor de arte, vivia em função de prazos, à base de picos de estresse. Aos poucos fui relacionando o emocional com as erupções nas costas, a face avermelhada, descamações, acne tardia. Estresse sempre vai existir, o que muda é a forma de lidar com ele", diz.
Autor do livro "Sucesso sem stress", o dr. Zular explica que a pele, o maior órgão do corpo humano, é extremamente sensível aos hormônios liberados em momentos de ansiedade - tais como adrenalina e cortisol. "Cada pessoa tem um órgão de choque, ou seja, um ponto fraco que sofre as conseqüências destes momentos de tensão. É o que chamamos de somatização. Pode ocorrer no estômago, intestino, na pele. O corpo é uma extensão da mente", declara.
Reinaldo conta que só conseguiu controlar suas indesejáveis manifestações cutâneas quando passou a tratar o organismo como um todo, apoiado na perspectiva holística da psicossomática. "Abri meu próprio escritório, tento ter uma alimentação mais saudável, inclui exercícios físicos na rotina, faço psicoterapia e acupuntura. Com o tempo, a gente vai tendo esse entendimento da saúde como algo mais amplo", diz.
A psicossomática não anula a influência da genética na saúde da pele, mas analisa a questão por outros ângulos. "É mais fácil colocar a culpa em alimentos do que mexer em questões emocionais. A pessoa em dificuldades adquire um aspecto envelhecido, com olheiras e rugas, porque a tristeza fica marcada no rosto. A criança que vai mal na escola ruboriza, sente coceiras. Isso nos leva a crer que o médico deve ajudar o sujeito a elaborar seus conflitos. Podemos tratar sintomas com anti-histamínicos, mas se o foco de estresse não for tratado não resolve", argumenta Zular.
Entre as psicodermatoses estão a psoríase, acne, alopécia areata, dermatite atópica e vitiligo. Há, ainda, um grupo de doenças psiquiátricas com severas repercussões cutâneas: são as auto-inflingidas, como a tricotilomania (hábito de arrancar cabelos). Algumas psicoses, mais raras, também denotam ligação entre mente e pele. Uma delas é a síndrome de Ekbom, ou delírio de parasitose, caracterizada pela falsa sensação de ter a pele infestada por insetos.
A dermatologia tradicional também admite o estresse como agravante das doenças de pele, mas considera como determinantes outros fatores, sobretudo nos casos de dermatite atópica. "Hereditariedade e condições ambientais, como poeira, banhos quentes, umidade e roupas apertadas têm relação com a dermatite. Nos casos mais leves, o médico prescreve medicamentos para recuperar a hidratação da pele. E o verdadeiro hidratante não é o popular, vendido em mercado. Estes, na verdade, deveriam ser chamados de emolientes", explica o dermatologista Mário Cesar Pires, doutor pelo Hospital do Servidor Público Estadual.
Cerca de 15% da população infantil brasileira sofre com vermelhidão, coceira e machucados provocados por dermatite atópica. Em casos graves, quando há alterações do sono ou lesões em mais de 30% do corpo, Pires sugere tratamentos mais potentes. "Boas alternativas aos corticosteróides são os imunomoduladores tópicos. Eles são mais seguros por não serem hormonais, minimizando efeitos colaterais", conclui. Vale ressaltar que o controle do estresse não tem contra-indicação - sobretudo para manter intacta a delicada superfície humana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário